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Indústria europeia de painéis solares vive momento crítico, em pleno ‘boom’ da transição energética

A cada mês, uma nova fabricante europeia de painéis solares fecha as portas ou decide se mudar para o exterior – e isso em plena transição “verde” nas economias do bloco. A indústria do continente demorou para perceber a revolução que estava por vir, enquanto a China não perdeu tempo. Resultado: o setor de energias renováveis na Europa foi dizimado pela concorrência chinesa, que hoje domina 95% do mercado.


Systovi, uma das últimas fabricantes francesas de painéis solares, anunciou o fechamento em abril. (foto de 29/03/2024)
 REUTERS – Stephane Mahe

A disseminação de painéis fotovoltaicos pelo campo e pelas cidades europeias é uma transformação recente. Foi acelerada nos últimos 10 anos, depois que o bloco adotou uma série de medidas para implementar, de fato, a transição energética para uma economia de baixo carbono.

Mas diferentemente do que se poderia imaginar, não foram as indústrias europeias que se beneficiaram deste movimento – ao contrário, as fábricas pioneiras de renováveis, abertas há 30 anos, agora não resistem à avalanche dos produtos chineses que inundam o setor, com preços quatro vezes mais baixos.

Em abril, foi a vez de uma das últimas empresas francesas fechar as portas. A Systovi, no oeste do país, deixa para trás 87 funcionários.

Gaëtan Masson, co-presidente do Conselho Europeu de Fabricantes de Solares (ESMC, na sigla em inglês), não se surpreende. A entidade reúne cerca de 80 empresas do setor.

“O caso da Systovi é típico na Europa hoje: um ator pequeno confrontado a gigantes chineses. Um dos principais problemas que atingem os europeus é a ausência de uma economia em escala, na comparação com os chineses. Produzimos mais ou menos as mesmas quantidades de 10 ou 15 anos atrás, mas o mercado mundial foi multiplicado por 50”, explica.

China adotou plano estratégico para liderar produção mundial

No começo dos anos 2010, o governo do país asiático adotou um plano estratégico de desenvolvimento do setor, fortemente subsidiado e que beneficia toda a cadeia de renováveis: eólicas, veículos elétricos, baterias e eletrolisadores. A demanda, entretanto, levou mais tempo para acompanhar a explosão da oferta, o que explica os valores tão baixos praticados hoje.

“Atores de nicho que sobreviviam na Europa se encontram em uma situação em que simplesmente não conseguem mais vender seus produtores a tarifas que os possibilitem continuam funcionando. Podemos esperar novas falências na Europa nos próximos meses e anos, principalmente das pequenas e médias empresas”, lamenta Masson.

Des employés travaillent sur des modules solaires photovoltaïques qui seront exportés, dans une usine à Lianyungang, dans la province chinoise de Jiangsu (est), le 4 janvier 2024.
Empregados de usina destinada à exportação em Lianyungang finalizam produção de painéis fotovoltaicos. (04/01/2024) AFP – STR

A concorrência de Pequim não é a única a ameaçar as indústrias europeias. Os subsídios bilionários do governo americano para o setor também têm atraído empresas do bloco, a exemplo da maior fabricante na Alemanha de fotovoltaicos, a suíça Meyer Burger, que transferiu as linhas de produção para os Estados Unidos em março. Quinhentos empregos foram suprimidos na Alemanha – país que, até a ascensão chinesa, era líder mundial de fotovoltaicos.

Salvar o setor não será fácil. A reação europeia a esta conjuntura está curso, mas será de médio prazo. A nova Lei da Indústria com Emissão Zero, aprovada em fevereiro, visa restringir pelo menos uma parte do mercado europeu às importações, como nos contratos públicos e nas licitações. A regulamentação beneficia 19 tecnologias – além das ligadas às energias solar e eólica, também a nuclear, a captura e o estoque de carbono e biotecnologias, entre outras.

Reação europeia veio tarde e será lenta

A expectativa é que, até 2030, 40% dos painéis fotovoltaicos vendidos na União Europeia tenham sido fabricados no bloco. Para atingir este objetivo, será necessário privilegiar as grandes indústrias, capazes de produzir em massa, esclarece Gaëtan Masson.

“Uma vez que um certo número de atores conseguirão se desenvolver, poderemos ter um diferencial de competitividade em relação aos chineses. Levará alguns anos para eles crescerem – não conseguiremos chegar a usinas de 5 gigawatts de um dia para outro”, salienta o representante do setor. “Mas o direcionamento está bom, parecemos contar com a vontade política em muitos países e com um apoio de peso da Comissão Europeia.”

Analistas têm alertado que, mesmo assim, os europeus não conseguirão chegar aos pés dos volumes produzidos nos Estados Unidos ou na China – ainda mais se Pequim concretizar o plano de fabricar o dobro do que o mundo inteiro instala atualmente.

Além disso, dentro da própria Europa não há consenso sobre até que ponto esta indústria deveria ser resgatada. No dilema entre manter o ritmo da expansão da transição energética graças aos produtos chineses ou salvar as fabricantes europeias, muitas empreiteiras, além de países como a Suécia, têm preferido a primeira opção.

Por RFI com Radar Econômico 

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