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É “incabível” Lula comparar ataques em Gaza com genocídio dos judeus, diz historiador do Museu do Holocausto


Presidente Lula concedeu coletiva de imprensa neste domingo antes de deixar a Etiópia. (18/02/2024)
 © Ricardo Stuckert/ divulgação.

O brasileiro Avraham Milgram trabalhou mais de 30 anos como historiador do Yad Vashem, como é conhecido em hebraico o Museu do Holocausto.

Em 2011, ele acompanhou o presidente Lula na visita ao local. “Naquela época, já havia uma tensão no nível diplomático entre o governo brasileiro e o Estado de Israel”, lembra Migram ao se referir à aproximação de Lula com o ex- presidente do IrãMahmoud Ahmadinejad, que defendia abertamente a destruição do Estado judeu.

A tensão também tem raízes ideológicas, acrescenta o historiador ao se referir a Lula e ao chefe de governo israelense Benjamin Netanyahu como “dois bicudos que não se beijam”. “Ou seja, um governo de esquerda com um governo de extrema direita certamente não se cruzam”, diz.

Segundo Avraham Milgram, outro componente deste cenário de tensão diz respeito uma postura já tradicional da esquerda brasileira. “Israel desde o dia 7 de outubro está em uma guerra difícil, sanguinária de ambos os lados, e com o apoio dos Estados Unidos. Isso também não causa nenhuma simpatia aos olhos do Lula. Já há uma tradição da esquerda de ser anti-americana”, afirma.

A pretensão de Lula

O historiador diz que as motivações de Lula foram oportunistas, e visa provocar um impacto na opinião pública mundial para o presidente brasileiro ocupar um espaço no cenário de líderes globais.

“Ele quis causar impacto e conseguiu. Não é de hoje que Lula tem a pretensão de se tornar um líder mundial, colocar o Brasil para ser considerado um dos grandes países do mundo em termos de política internacional. Ele não teve muito êxito no passado e acho que não está tendo êxito atualmente”, opina.

As declarações de Lula sobre a ação do exército de Netanyahu em Gaza foram feitas em Addis Abeba, após a participação do presidente brasileiro na Cúpula da União Africana.

“A declaração de Lula equiparando Israel e seu exército com Hitler e os nazistas, e as matanças em Gaza com o genocídio de 6 milhões de judeus na Segunda Guerra é incabível”, afirma. “A crítica no mundo contra o Lula é justificada”, acrescenta.

“É uma afirmação que passou um pouco dos limites. Até os líderes dos países árabes que se identificam com a causa palestina e que acusam Israel de um genocídio, jamais fizeram essa comparação que o Lula fez. Neste sentido, o Lula se posiciona como ‘mais católico que o Papa’”, acrescenta.

 “Persona non grata”

Depois de Benjamin Netanyahu criticar ferozmente as declarações do brasileiro, o governo israelense, por meio de seu chanceler Israel Katz, indicou nesta segunda-feira que o presidente Lula é “persona non grata” no país até não se retratar.

O embaixador brasileiro Frederico Meyer foi convocado pela chancelaria israelense, o que na linguagem diplomática demonstra uma desaprovação de um governo com a atitude de outro. O encontro, que normalmente deveria acontecer na sede do Ministério das Relações Exteriores, foi deslocado para o Museu do Holocausto, onde o representante diplomático foi recebido e praticipou de uma visita ao local onde é exibida a história do Holocausto nazista.

“Lição de moral”

A ida do embaixador brasileiro ao Yad Vashem foi um ato puramente simbólico e para servir de exemplo, na análise de Avraham Milgram.

“É uma atitude de forçar um pouco a barra, de cutucar, colocar o dedo no olho. Não é que os líderes não conheçam a história. Eu mesmo, pessoalmente, guiei o Lula e o Celso Amorim lá. É dar uma lição de moral, foi mais um ato político-didático e de colocar  os pontos nos ‘is’ para que não haja dúvidas entre o que o Estado nazista alemão fez e o que Israel causou aos palestinos devido ao ataque do Hamas de 7 de outubro”, argumenta.

O governo brasileiro decidiu chamar seu embaixador em Israel de volta ao país, em uma nova escalada da tensão diplomática. No entanto, essas atitudes não devem comprometer o futuro da relação entre os dois países, afirma o historiador émerito do Museu do Holocausto.

“Estamos no ápice de uma crise diplomática. Va ter repercussões em termos da comunidade judaica no Brasil e o governo do Lula, mas não será algo com consequências práticas, nem para Israel, nem para o Brasil. Pode ter alguma consequência econômica, mas será algo passageiro. Há uma tensão ideológica. Para a diplomacia israelense, serve para mostrar de exemplo a outros líderes do mundo para não chegar a esse nível de comparação e de crítica”, finaliza.

RFI

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