Conselho Constitucional francês aprova reforma da Previdência
Os nove juízes do Conselho Constitucional francês aprovaram o essencial da reforma que eleva a idade das aposentadorias na França de 62 para 64 anos, associados a 43 anos de contribuição. Os juízes vetaram seis disposições contidas no projeto de lei, consideradas de menor importância. Em outra decisão, o Conselho rejeitou, por vício de forma, um requerimento apresentado por deputados de oposição que visava submeter a reforma da Previdência a um referendo popular.
Os juízes, que trabalharam sob sigilo total – o voto de cada um deles permanece secreto –, não viram inconstitucionalidade no fato de o presidente Emmanuel Macron e a primeira-ministra Élisabeth Borne terem manobrado para acelerar a tramitação do projeto tanto na Câmara quanto no Senado, reduzindo o tempo de debate no Parlamento. Essa questão foi levantada pela oposição porque esta foi a primeira vez que um governo encaixou a extensão da idade de aposentadoria e de tempo de contribuição dentro de uma lei orçamentária da Previdência Social.
Para os juízes, a tramitação do projeto foi totalmente legal. O governo não violou as regras ao utilizar dois artigos constitucionais (47.1 e 49.3) para acelerar o processo, mesmo sem a votação dos deputados.
Por outro lado, o Conselho Constitucional vetou seis artigos da reforma, entre eles o que previa a publicação de um “índice sênior” pelos empregadores. O objetivo era estimular as empresas a divulgar o porcentual de trabalhadores com mais de 55 anos em seus quadros.
Outro artigo censurado foi o “contrato de trabalho sênior”. Este contrato proposto pelo Senado seria reservado para pessoas com mais de 60 anos, e poderia ser automaticamente encerrado quando o trabalhador atingisse a idade para se aposentar com a pensão integral.
Os juízes consideraram que essas medidas são incompatíveis com uma lei orçamentária da Previdência. Mas nada impede que parlamentares ou o governo apresentem futuramente as mesmas propostas em uma lei ordinária.
Reforma será promulgada nos próximos dias
O Palácio do Eliseu informou que o presidente Macron irá promulgar a reforma da Previdência nos próximos dias. O prazo legal é de 15 dias. A entrada em vigor da nova legislação está prevista para setembro. Gruadualmente, até 2030, a idade mínima de acesso à aposentadoria passará dos atuais 62 para 64 anos, e no mínimo 43 anos de contribuição para obter a pensão integral. Entretanto, a frente sindical que tem liderado as manifestações e greves, desde janeiro, pediu “solenemente” ao presidente para não aplicar a reforma.
Macron convidou os líderes sindicais para uma negociação no Palácio do Eliseu na terça-feira (18), e disse esperar que o debate aconteça em clima de “concórdia”. Mas os sindicatos franceses, que há décadas não conseguiam levar uma luta trabalhista unidos, sem divisões, saem dessa queda de braço fortalecidos e não têm a intenção de ir ao Eliseu. Macron está isolado. Ele enfrenta uma realidade política que é a de não ter maioria no Parlamento. Sindicatos e oposição continuarão a explorar essa fragilidade do presidente, que ainda tem quatro anos de mandato pela frente.
A pressão nas ruas tende a continuar, apesar de o presidente repetir que a reforma é necessária aos interesses do país, de acordo com a visão que ele tem das contas públicas.
Oposição continuará nas ruas
Nesta sexta-feira, ao menos 240 manifestações contra a reforma aconteceram em todo o território francês. Cerca de 70% da população exige a retirada do texto.
Paris amanheceu com os principais edifícios públicos, a sede do Conselho Constitucional, os Palácios do Governo e da Presidência, as sedes dos ministérios, da Assembleia, do Senado e a prefeitura protegidos por barreiras e um esquema de segurança reforçado, devido ao temor de atos de vandalismo.
Durante o dia, a primeira-ministra Élisabeth Borne foi abordada por manifestantes em um supermercado durante uma visita no interior do país. Macron, que esteve com a primeira-dama, Brigitte, no canteiro de obras da catedral de Notre-Dame também foi vaiado por opositores à reforma.
Na véspera, manifestantes invadiram a sede do grupo LVMH, dono das marcas Dior, Sephora e Louis Vuitton, que pertence à família do empresário Bernard Arnault. Nessa quinta-feira (13), Arnault aparecia como o homem mais rico do mundo no ranking da revista Forbes. O objetivo do ato era denunciar a reforma, as desigualdades aberrantes entre os salários e os lucros das multinacionais. Na opinião de milhares de franceses, os grandes grupos deveriam pagar mais impostos para atenuar o desequilíbrio das contas públicas.
A reclamação mais frequente ouvida nas ruas é que a conta só é paga pelo trabalhador. Atualmente, num contexto de inflação alta, que corrói o poder aquisitivo dos franceses, essa iniquidade se tornou insuportável.
Novo projeto de referendo
A oposição não desistiu de submeter a reforma a um referendo popular. Deputados da oposição de esquerda apresentaram há dois dias um segundo requerimento nesse sentido ao Conselho Constitucional, que deve se pronunciar sobre o conteúdo no dia 3 de maio. Este processo correrá em paralelo à promulgação da reforma.
O chamado Referendo de Iniciativa Popular (RIP) é um mecanismo complexo. Depois de o projeto ser validado pelo Conselho Constitucional, com o apoio de no mínimo 185 deputados, vem uma etapa de coleta de assinaturas. Cabe ao Ministério do Interior criar um site com a proposta, que precisa recolher no mínimo 4,8 milhões de assinaturas para ser aprovada. Esse processo dura pelo menos nove meses. No final, o governo ainda fica com duas opções de arbitragem: organizar o referendo ou discutir a proposição na Assembleia e no Senado.
A líder de extrema direita Marine Le Pen diz que o RIP é uma “enganação democrática”, porque não impede o governo de aplicar a reforma.
De qualquer forma, a validação da reforma previdenciária pelo Conselho Constitucional não representa o fim da luta de sindicatos e trabalhadores. A maioria dos franceses estima que o governo errou na ordem das prioridades. Primeiro deveria ter proposto medidas para melhorar as condições de trabalho, depois aumentar os salários para proteger o poder de compra da inflação. A reforma das aposentadorias era um tema do programa do presidente Emmanuel Macron, mas não o mais urgente.
Macron não vê a coisa dessa forma. Ele quer evitar um déficit previsto nos próximos anos, promulgar a reforma e discutir com os líderes sindicais melhorias para favorecer o prolongamento da vida ativa.
Antes da reforma, segundo um relatório independente, o sistema previdenciário francês iria registrar um déficit de 0,5 a 0,8 ponto do PIB nos próximos dez anos. Em 2032, o rombo no caixa seria de € 20 bilhões. Globalmente, nos próximos 25 anos, o sistema será medianamente deficitário, de acordo com quatro cenários traçados por especialistas. Havia margem de manobra, mas o governo quer reduzir a dívida pública global, que chega a quase € 3 trilhões, o equivalente a 111,6% do PIB.