França: mais de 1,3 mil detenções e atos de vandalismo marcam quarta noite de protestos
Veículos blindados leves, unidades de elite e 45 mil agentes de segurança mobilizados: o governo francês acionou um esquema de segurança “excepcional” na sexta-feira (30) para tentar conter o ciclo de violência, saques e destruição que toma conta de diversas cidades do país. Os incidentes mais graves ocorreram em Marselha.
Confrontos eclodiram também em cidades como Paris, Lyon, Grenoble, Saint-Etienne e Estrasburgo. Os distúrbios, no entanto, teriam sido de “menor intensidade”, de acordo com o Ministério francês do Interior.
Desde a morte do adolescente Nahel, por um tiro disparado por um policial durante uma blitz, as cenas de violência se repetem em muitos bairros e centros de cidades francesas. De acordo com o Ministério do Interior, 1.311 pessoas foram detidas, 80 policiais ficaram feridos, houve mais de 2,5 mil incêndios em vias públicas, além de pelo menos 60 ataques contra prédios de instituições policiais em todo o país.
Prédios públicos, escolas e comércios têm sido alvo da ira de jovens moradores de bairros populares, relembrando os tumultos que abalaram a França em 2005, após a morte de dois adolescentes perseguidos pela polícia.
Mas a violência da madrugada de sexta-feira para este sábado (1º) foi considerada de “menor intensidade” pelo ministro francês do Interior, Gérald Darmanin. Durante uma visita a Mantes-la-Jolie, em Yvelines, na região parisiense, ele relatou que, por volta das 2h30, cerca de 470 prisões haviam ocorrido em toda a França e os focos de tensão se concentravam principalmente em Marselha e Lyon.
Os jovens circulavam em pequenos grupos, com o rosto coberto e alguns realizaram saques em diversos pontos da cidade, informou a polícia em Marselha. Muitos destes grupos lançaram projéteis contra a polícia, principalmente em uma grande avenida do centro, La Canebière. Dois policiais ficaram levemente feridos.
Algumas armas também foram roubadas de uma loja especializada, mas sem munição, de acordo com o quartel-general da polícia.
O prefeito de Marselha, Benoît Payan, pediu “o envio imediato de forças policiais adicionais” diante da violência e saques na segunda maior cidade da França. O Ministério do Interior havia anunciado no início da noite a chegada de um avião de vigilância das forças especiais Raid.
Mobilização “excepcional”
Na tentativa de conter o ciclo de violência, saques e destruição, as autoridades fortaleceram ainda mais o esquema de segurança na sexta-feira. Ao final de um segundo comitê interministerial de crise em apenas dois dias, Darmanin anunciou a mobilização “excepcional” de 45 mil policiais e agentes de segurança para conter a quarta noite consecutiva de tumultos.
A esses números, ligeiramente elevados em relação à noite anterior, foram adicionados o envio de veículos blindados e o uso contínuo de unidades de elite, como o GIGN, para prevenir a violência já durante a tarde de sexta-feira.
Dezenas de viaturas da polícia foram posicionadas próximas aos acessos do bairro de Vieux Pont, em Nanterre, epicentro da violência urbana e marcado na sexta-feira por disparos de morteiros de artifício. Outros veículos policiais se instalaram perto do bairro comercial de Les Halles, no coração de Paris, cenário de saques na noite anterior.
Na tarde de sexta-feira, ocorreram incidentes dispersos em Rosny-sous-Bois e em um shopping center em Créteil, dois subúrbios de Paris, e também no centro de Estrasburgo, no leste francês, onde uma loja da Apple foi saqueada e 33 pessoas foram presas, de acordo com a Secretaria de Segurança de Bas-Rhin.
“Polícia racista”
A região de Paris não foi poupada pelas chamas, em particular o subúrbio de Colombes. Em Nanterre, nove pessoas foram presas carregando galões de combustíveis e coquetéis molotov. Em Saint-Denis, um centro administrativo foi atingido por um incêndio, e em Val-d’Oise, a prefeitura de Persan-Beaumont e a delegacia de polícia municipal também foram incendiadas e parcialmente destruídas.
Manifestações “contra o racismo, o crime e a violência policial” foram proibidas na noite de sexta-feira em Paris, no centro de Marselha, Lyon, Bordeaux e Toulouse. Mas centenas de pessoas se manifestaram apesar da proibição, especialmente em Montpellier. Em Paris, a polícia dispersou à noite uma centena de pessoas reunidas na Praça da Concorde.
Confrontos ocorreram entre manifestantes e a polícia na noite de sexta-feira em frente ao Hôtel de Ville, a prefeitura em Lyon, no início de uma manifestação contra a violência policial que havia sido proibida. Os manifestantes se aglomeraram por volta das 20h (horário local) no centro da cidade, chegando a 1,3 mil pessoas, informou a prefeitura.
“Sem paz, sem justiça”, “renúncia de Darmanin”, “polícia racista” e “por Nahel”, gritava a multidão, que reunia ativistas de extrema esquerda e moradores de Lyon e seus subúrbios. As forças de segurança responderam com gás lacrimogêneo aos fogos de artifício disparados por manifestantes encapuzados. A imprensa regional informou que carros foram revirados e incendiados.
A morte de Nahel, cuja família é origem argelina, reacendeu o tema da violência policial no país, em um país onde 13 pessoas morreram após um controle policial no ano passado.
Grupos de jovens, alguns encapuzados, armados com barras de ferro, aproveitaram a situação para saquear diversas lojas do centro da cidade e atear fogo a lixeiras, mas se dispersaram rapidamente com a aproximação da polícia.
O esquadrão do Raid, da polícia de elite, também estava nas ruas de Lille, em frente à principal delegacia de polícia da cidade, onde fogueiras foram acesas no início da noite. Em Grenoble, centenas de jovens encapuzados conseguiram roubar inúmeras lojas do centro da cidade, principalmente roupas e equipamentos eletrônicos, antes de uma intervenção tardia da polícia.
Em Saint-Etienne, centenas de jovens, muitos usando máscaras cirúrgicas, quebraram vitrines e saquearam diversas lojas de roupas, óticas e joias.
Os ‘Bleus’ pedem calma
“O tempo da violência deve acabar para dar lugar ao do luto, do diálogo e da reconstrução”, pediram os jogadores da seleção francesa de futebol a propósito dos protestos, em um texto veiculado na sexta-feira pelo capitão Kylian Mbappé.
Os ‘Bleus’ disseram estar “marcados e chocados com a morte brutal do jovem Nahel” e lançam um “apelo à calma, conscientização e responsabilidade”, insistindo que a violência deve dar lugar a “outras formas pacíficas e construtivas de se expressar”.
O presidente Emmanuel Macron, que encurtou uma viagem a Bruxelas, pediu que as famílias se responsabilizem pelas ações dos jovens.
(Com informações da AFP)