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Armênia se prepara para receber refugiados de Nagorno-Karabakh

O Azerbaijão anunciou neste sábado (23) que está promovendo com a Rússia uma “desmilitarização” das forças presentes em Nagorno-Karabakh, região separatista habitada maioritariamente por armênios e tomada por militares do Azerbaijão em menos de 24h, no início da semana. A vizinha Armênia se prepara para receber milhares de refugiados, que já começaram a chegar.


Foto divulgada pelo Ministério das Situações de Emergência do Azerbaijão mostra comboio levando supostamente ajuda humanitária para Nagorno-Karabakh. (22/09/2023)
 AP

Hotéis lotados de refugiados, mulheres e crianças instaladas nos corredores. Em Goris, a última grande cidade armênia antes de Nagorno-Karabakh e no caminho para acolher civis, a memória da guerra perdida há três anos ainda é presente para aqueles que fugiram das bombas e agora se conformam com este novo capítulo da história.

As autoridades locais já enviaram equipes para preparar a recepção de refugiados. Em meio a um clima de instabilidade e em plena negociação entre as partes, todos se preparam para enfrentar imprevistos.

Ninguém sabe, por exemplo, se o corredor de Lachin, que liga Nagorno-Karabakh à Armênia, será reaberto após nove meses de bloqueio por Baku – nem em qual direção, para quem ou quando. As organizações humanitárias e as autoridades armênias se organizam para a eventual reabertura do caminho e a consequente chegada de civis. “Em março, quando houve um aumento das tensões, já decidimos lançar um programa de preparação para emergências. Treinamos potenciais trabalhadores da linha de frente, assistentes sociais, polícia, pessoal hospitalar, professores, sobre como lidar com as pessoas que chegam com problemas psicológicos, traumas etc”, explica Valentin Mahoux, coordenador regional do Sul do Cáucaso da ONG Médicos do Mundo.

Incertezas sobre quantos virão

Nvard Harutyunyan, conselheiro político do vice-governador da região de Goris, especifica: “Talvez alguns residentes não queiram vir para a Armênia e queiram ficar lá. Não sabemos qual será a decisão deles”, diz. “O mais importante para nós hoje é a segurança deles, que seja em Karabakh ou aqui, na Armênia.”

As autoridades estão pisando em ovos: concordam em prevenir uma crise humanitária, acolher e integrar os refugiados, mas não aceitam que a Armênia seja acusada, pela oposição interna ou pelo Azerbaijão, de ser a responsável por um deslocamento forçado da população que vive no enclave.

Desde 2020, as ONG também aprenderam lições do acolhimento e o longo apoio necessário aos deslocados da Guerra do Outono. “Hoje, reativamos todos os nossos grupos de contatos informais entre ONG nascidas durante este período. Também sabemos que ajudar com doação em dinheiro é o método mais digno e eficaz para apoiar as pessoas deslocadas, especialmente se conseguirem encontrar no mercado o que necessitam”, explica Anaris Gebourtchkian, diretora de desenvolvimento da Caritas Armênia. “Elas não precisam necessariamente de receber pacotes de ajuda. Elas podem fazer as coisas por si próprias”, complementa.

Pressão pela fome

“O cenário que nos parecia mais provável era que a população seria pressionada pela fome, progressivamente, cortando a eletricidade, depois o gás e depois a água. A certa altura, reabririam o corredor no sentido das saídas, as pessoas sairiam por conta própria, sobretudo as mais frágeis – mulheres, crianças, grávidas, idosos”, relata Valentin Mahoux. “Há também o cenário híbrido, ou seja, um fluxo constante de pessoas que sairiam com o tempo para continuar os estudos, para ter acesso a melhores cuidados e, sobretudo, para não conviver com os azerbaijanos e evitar as tensões”, acrescenta o coordenador regional da Médicos do Mundo, ressaltando que enquanto o corredor de Lachin permanece fechado e o conflito, congelado, “ficamos impotentes, sem acesso ao interior” de Nagorno-Karabakh.

Ministério da Defesa russo publicou vídeo com imagens de soldados de paz russos ajudam armênios a instalar um acampamento perto de Stepanakert, em Nagorno-Karabakh.
Ministério da Defesa russo publicou vídeo com imagens de soldados de paz russos ajudam armênios a instalar um acampamento perto de Stepanakert, em Nagorno-Karabakh. AP

Alyona Hayrapetyan, moradora de Stepanakert, a capital e maior cidade de Nagorno-Karabakh, confirma os temores de que o cenário mais dramático possa estar se desenhando. “A situação humanitária está muito ruim. É catastrófica porque há muitas pessoas de Shusha, de alguns bairros de Stepanakert e de vilarejos vizinhos que foram deslocadas. Elas estão aqui em Stepanakert há dois dias”, contou, à RFI

“Elas não têm quase nada para comer ou beber e nem mesmo onde dormir. As pessoas estão inseguras. Não sabemos o que vai acontecer conosco ou o que será decidido, por isso estamos aguardando novidades”, disse a habitante. “A situação está calma neste momento. Não há tiros disparados. Esperamos para ver o que acontecerá a seguir.”

Desmilitarização em curso

Neste sábado, o porta-voz do exército do Azerbaijão, Anar Eyvazovà, informou à imprensa que, “em estreita cooperação com as forças de paz russas, estamos a realizar a desmilitarização” das tropas separatistas. Em Shusha, cidade em Nagorno Karabakh que foi tomada pelo Azerbaijão há três anos, ele explicou que já foram apreendidas “armas e munições”, sem mais detalhes.

O processo de desarmamento “pode levar tempo” porque alguns combatentes separatistas estavam baseados em áreas montanhosas remotas, continuou Eyvazov. “A prioridade é a desminagem e a desmilitarização”, insistiu.

Num dos acessos a Chucha, um jornalista da AFP avistou um tanque e uma forte presença militar. Morteiros também estão posicionados em uma colina próxima, orientada para Stepanakert que, afirmam os separatistas, está cercada pelas tropas do Azerbaijão.

“Conforme os acordos de cessação das hostilidades, as formações armadas de Karabakh começaram a entregar” as suas armas “sob o controle das forças de manutenção da paz russas”, explicou o Ministério da Defesa russo.

Anissa el Jabri, enviada especial da RFI Goris (Armênia)

Com AFP

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