Economia

The Economist: Fluxo de carros chineses apavora o Ocidente

China está prestes a lançar outra onda de desindustrialização sobre o mundo rico? Cerca de 1 milhão de trabalhadores americanos do setor de manufatura perderam seus empregos para a competição chinesa de 1997 a 2011 conforme o país começou a exportar mercadorias baratas. Esse “choque chinês” tem desde então sido culpado por todo tipo de coisa, do índice de morte em crescimento dos americanos de classe trabalhadora à eleição de Donald Trump. A rejeição de atitudes liberais no comércio também explica por que governantes adotam atualmente políticas industriais. Agora os fabricantes de carros chineses estão experimentando um crescimento estonteante — o que atiça temores a respeito de outro choque arrasador. Mas na verdade os sucessos dos carros chineses devem ser celebrados, não temidos.

Há apenas cinco anos, a China exportava somente um quarto da quantidade de carros exportada pelo Japão, na época o maior exportador do mundo. Nesta semana, a indústria chinesa afirmou ter exportado mais de 5 milhões de carros em 2023, excedendo o montante japonês. O maior fabricante de carros da China, BYD, vendeu 500 mil veículos elétricos (VEs) no quarto trimestre, fazendo a Tesla comer poeira. Os VEs chineses são tão estilosos, avançados e — mais importante — baratos que a restrição sobre suas exportações hoje se deve à falta de barcos para exportá-los. Conforme o mundo se descarbonizar, essa demanda aumentará ainda mais. Até 2030, a China poderia dobrar sua fatia do mercado global, para um terço, pondo fim ao domínio dos campeões nacionais do Ocidente, especialmente na Europa.

Desta vez será ainda mais fácil para os políticos culparem o jogo sujo chinês por qualquer perda de emprego no Ocidente. Um clima geopolítico glacial alimentará o sentimento de que produção subsidiada sucateia injustamente os trabalhadores ocidentais. E certamente tem havido subsídios. Desde o lançamento de sua agenda “Made in China”, em 2014, a China desrespeitou descaradamente as regras do comércio global, despejando recursos sobre seus fabricantes de carros. É difícil precisar o valor dos empréstimos a juros baixos, das injeções de capital financeiro, dos subsídios para compras e dos contratos do governo dos quais as empresas chinesas desfrutam. Mas segundo uma estimativa, o gasto público total se situou em torno de um terço das vendas de VEs no fim da década de 2010. Além desses subsídios, houve uma pilhagem de tecnologia de empreendimentos conjuntos com fabricantes de carros ocidentais e fabricantes de baterias ocidentais e sul-coreanos.

A tentação dos formuladores de políticas do mundo rico será portanto proteger seus fabricantes de carros da investida da competição com patrocínio estatal. Em outubro, a Comissão Europeia abriu uma investigação a respeito dos carros chineses. Afirma-se que o presidente Joe Biden considera aumentar as tarifas sobre eles, apesar de os fabricantes de carros americanos, protegidos por uma taxa de 27,5% e ajudas da Lei de Redução da Inflação, enfrentarem atualmente pouca competição da China. Mas fechar as portas para os carros chineses poderia ser um erro. Os ganhos potenciais para o Ocidente advindos de um fornecimento disponível de veículos verdes e baratos são simplesmente enormes — e ofuscam os custos da perturbação e os perigos engendrados.

China é o maior mercado para carros elétricos no mundo Foto: Qilai Shen / The New York Times© Fornecido por Estadão

Uma razão é que o mercado de carros será revirado independentemente do comércio com a China. Em 2022, 16% a 18% dos carros novos vendidos no mundo eram elétricos; em 2035, a União Europeia banirá as vendas de carros novos movidos a motor de combustão interna. Apesar das empresas estarem mantendo o emprego de seus trabalhadores conforme se voltam para a fabricação de VEs, esse processo é menos intensivo em trabalho. De forma muito parecida com o choque chinês ter sido responsável por menos de um quinto das demissões no setor da manufatura — muitas atribuídas a avanços tecnológicos bem-vindos — também existe um perigo de confundir uma perturbação provocada pela mudança para os VEs com a causada por sua produção na China.

Considerem a seguir os ganhos de permitir o fluxo do comércio. Veículos estão entre as maiores compras feitas pelos cidadãos, representando cerca de 7% do consumo nos Estados Unidos. Carros mais baratos fazem com que sobre mais dinheiro para gastar em outras coisas num momento em que os salários reais têm sido pressionados pela inflação. E os carros chineses não são apenas baratos; são de melhor qualidade, principalmente em relação a recursos inteligentes nos VEs possibilitados pela conectividade à internet. E a existência de uma indústria automotiva não determina o crescimento econômico de um país. A Dinamarca tem um dos padrões de vida mais elevados no mundo e não se ouve falar de fabricantes de veículos dinamarqueses. Mesmo conforme as linhas de montagem na China expelem seus VEs, a economia do país titubeia — em parte porque tem sido tão distorcida por subsídios e controle estatal.

Finalmente, considerem os benefícios para o meio ambiente. Políticos de todo o mundo estão percebendo quão importante é pedir aos consumidores que abracem o verde conforme aumentam reações contrárias a políticas custosas de redução de emissões. Os VEs também são, atualmente, mais caros que os carros movidos a combustão (ainda que seu custo de manutenção seja menor). Permitir carros chineses com preços mais baixos poderia, portanto, facilitar a transição para a emissão-zero. O VE mais barato vendido na China pela BYD custa cerca de US$ 12 mil; o Tesla mais barato custa US$ 39 mil nos EUA.

O que dizer dos riscos? A ameaça das importações baratas à indústria é normalmente exagerada. A lição da ascensão dos fabricantes japoneses e sul-coreanos nos anos 80 é que a competição estimula empresas locais a acelerar, enquanto os forasteiros eventualmente aproximam a produção dos consumidores. A BYD já está inaugurando uma fábrica na Hungria, e muitos fabricantes de carros chineses buscam terrenos nos EUA. Enquanto isso, empresas como Ford e Volkswagen apressam-se para alcançar os chineses. No ano passado, a Toyota anunciou que um avanço em sua tecnologia de “estado sólido” permitiria à empresa cortar o peso e o custo de suas baterias.

Outra preocupação é segurança nacional. Depender inteiramente da China por baterias, cuja importância para as economias eletrificadas superará enormemente o setor automotivo, seria arriscado. Também é possível que VEs, repletos de chips, sensores e câmeras, sejam usados para vigilância. (A China baniu até Teslas fabricados localmente de certas instalações do governo.) Mas enquanto presidentes e espiões puderem trafegar em veículos fabricados no Ocidente ou por seus aliados, há pouca razão para temer o consumo dos possantes chineses; os clientes poderão julgar por si mesmos preocupações sobre privacidade, e os carros fabricados localmente serão mais fáceis de inspecionar.

Os formuladores de políticas deveriam, portanto, refrear seus instintos protecionistas e se preocupar apenas com a improvável possibilidade da indústria automotiva ocidental implodir como um todo. Não se deve temer, contudo, uma robusta fatia de mercado aos fabricantes chineses que revigore uma competição maior. Se a China quer gastar o dinheiro dos contribuintes subsidiando consumidores globalmente e gastando em transição energética, a melhor resposta é dar-lhe as boas-vindas. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Estadão 

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