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Novo texto da COP28 decepciona em Dubai; Marina Silva celebra debate inédito sobre fósseis

O novo rascunho do acordo da 28.ª Conferência do Clima (COP28) em Dubai, revelado nesta segunda-feira (11), oferece a “redução" dos combustíveis fósseis, e não uma saída dessas energias, as maiores responsáveis pelo aquecimento do planeta. A proposta decepcionou ambientalistas e as nações mais vulneráveis. O governo brasileiro celebrou o debate “inédito" sobre os fósseis, após 31 anos de conferências climáticas.


Manifestante é retirada da plenária da COP28, onde ministros dos países reunidos na conferência de Dubai debatem um acordo climático. (11/12/2023)
 AP – Rafiq Maqbool

Com quase 10 horas de atraso, a presidência da COP apresentou novo texto para a apreciação dos 195 países reunidos no evento em Dubai. A sessão plenária deve invadir a madrugada, em mais uma rodada de negociações para afinar a linguagem final que prevalecerá.

O documento menciona a “redução do consumo e produção de combustíveis fósseis” para manter vivo o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5 ºC. Assim, a fórmula foi atenuada em relação ao rascunho anterior, em que a alternativa de “eliminar” progressivamente o petróleo, o carvão e o gás (“phase out”) era cogitada.

Instantes após a revelação do rascunho, a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, concedeu uma coletiva de imprensa, prevista desde a véspera. Alegando ainda não ter tido tempo para analisar o documento, a ministra e a chefia da delegação brasileira evitaram comentar o texto.

“É fundamental que saiamos todos da dependência dessas fontes não renováveis de energia. Todas elas: carvão, petróleo, gás”, disse. “Depois de tantos anos sem que esse tema entrasse nas COPs, ele está sendo tratado e isso já é uma demonstração de algo inédito ao longo de 31 anos”, comentou Marina.

Marina Silva participa da plenária que discute acordo final da COP28. (11/12/2023)
Marina Silva participa da plenária que discute acordo final da COP28. (11/12/2023) © Estevam/Audiovisual/PR

A ministra afirmou que a “métrica de sucesso” da COP vai depender da linguagem sobre o tema.

“Qualquer resultado que se tenha que não considere uma linguagem clara em relação a essa questão, no sentido de viabilizar os meios para acelerar cada vez mais as energias renováveis e de forma justa os meios para tirar o pé do acelerador dos combustíveis fósseis”, disse Marina, “não será coerente com a missão que a ciência está dizendo que temos que assumir”, completou.

Debate ‘inédito’ sobre fósseis

O Brasil defende que tantos os países em desenvolvimento quanto os desenvolvidos  “tenham a clareza de que a responsabilidade é de todos, mas os países desenvolvidos tem que liderar essa corrida” rumo à transição energética.

“Faz 31 anos que nós fizemos a Rio 92 em que ficou estabelecido o diagnóstico que a principal fonte de aquecimento do planeta era combustível fóssil. Depois de muita protelação em relação ao debate dessa questão, ela veio para essa COP e terá que ser internalizada aqui e metabolizada a partir daqui”, afirmou Marina.

No documento preliminar, as nações que assinaram o Acordo de Paris “reconhecem a necessidade de reduções profundas, rápidas e sustentáveis das emissões” de gases de efeito estufa e, consequentemente, pedem “ações que possam incluir” uma série de medidas. Mas o documento é vago em incitar os participantes a cumprir essas intenções: propõe como opção “eliminar” os subsídios “ineficientes” aos combustíveis fósseis e fazê-lo “o mais rápido possível”.

“Tem muitas opções de energia, pelo menos sete. O tema está na mesa, mas como ele está e como vai ficar é que é o debate. Mas está no texto”, ponderou Ana Toni, secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente. “Eu acho que isso aqui é uma tentativa de inclusão de perspectiva de todos, e não de excluir ninguém. Acho que a gente vai precisar de tempo para ver se tem alguma dessas opções na qual o Brasil é absolutamente contra”, complementou.

‘Sentença de morte’ para pequenas ilhas

Os representantes das pequenas ilhas insulares, as mais vulneráveis às mudanças do clima, devido ao aumento do nível do mar, disseram que ”as nossas vozes não foram ouvidas”.

“A República das Ilhas Marshall não veio aqui para assinar a nossa sentença de morte. Viemos aqui para lutar por 1,5°C e pela única forma de o conseguir: a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. O que vimos hoje é inaceitável”, reagiu John Silk, ministro dos Recursos Naturais das Ilhas Marshall. “Não iremos silenciosamente para as nossas sepulturas aquáticas. Não aceitaremos um resultado que levará à devastação para o nosso país e para milhões, senão bilhões, das pessoas e comunidades mais vulneráveis.”

A principal aliança de organizações ambientalistas, a Climate Action Network, considerou o rascunho “um retrocesso”. Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, também disse estar decepcionado.

“A única vez que falam de phase out é de investimentos em tecnologias que a gente já sabe que em algum momento elas terão mesmo que ter um fim. O phase out como um acordo global pelo fim dos combustíveis fósseis, para aí se discutir como vai ser feito, foi retirado do texto”, lamentou.

“Se ficar como está, a conferência simplesmente não entrega o que a gente precisa, não ataca o principal problema. Pode ter um monte de palavras bonitas no texto, mas a doença não vai ser tratada. A gente vai ficar só com comprimidos para a dor, com uma coisa ou outra que avança, mas o principal mesmo, a causa do problema, não vai ter endereço”, avaliou Astrini.

Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, considera que o documento “quebra as expectativas da sociedade, já que não apresenta um cronograma claro e ambicioso de transição – aliás, sequer menciona a transição”.

“Embora inclua detalhes importantíssimos, como a manutenção do alinhamento das próximas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) com a meta de 1,5°C do Acordo de Paris e a natureza absoluta e abrangente de toda a economia e de todos os gases, a nova versão enfraquece a linguagem sobre energia, que é o setor que mais emite os gases que estão mudando o clima”, criticou.

Arábia Saudita e Iraque, duas grandes potências petrolíferas, expressaram publicamente sua oposição à palavra “eliminação” dos combustíveis fósseis na última grande reunião plenária, no domingo (10).

Por Lúcia Muzell, enviado ao RFI

 

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