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Guerra entre Rússia e Ucrânia completa 1 ano sem perspectivas de paz

Arte Metrópoles

Fator de preocupação global, com impactos na economia e na segurança, a guerra na Ucrânia era considerada improvável pelas principais potências e por analistas de política internacional até o início do ano passado. Era praticamente consenso que o presidente russo, Vladimir Putin, estava blefando ao ameaçar o país vizinho, mesmo quando ele deslocou as tropas russas para a fronteira e parecia pronto para atacar.

Analistas estimavam que uma guerra teria custos muito altos para a Rússia e que Putin desejava apenas mostrar os dentes para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), organização militar dos países ocidentais alinhados aos Estados Unidos, e impedir a perda de relevância russa nas mesas globais de negociação.

Mas não se tratava de um blefe. Um ano após a invasão, Putin mantém a ofensiva, ainda que a expectativa russa por uma ação relativamente fácil para destituir o governo de Volodymyr Zelensky tenha sido frustrada pela firmeza de militares e civis ucranianos em resistir a uma força militar superior.

As consequências do comprometimento inabalável dos dois lados diretamente envolvidos no conflito têm sido as perdas humanas, militares e econômicas para ambos os países, e uma contínua destruição da infraestrutura da Ucrânia.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 40% da população ucraniana precisa de ajuda humanitária. Ao menos 8 milhões de refugiados cruzaram as fronteiras do território após a destruição de metade da infraestrutura do país. Autoridades estimam a necessidade de US$ 700 bilhões para a reconstrução da Ucrânia.

Após um ano de guerra, o consenso dos analistas é que ainda não há esperanças de uma resolução próxima.

O que se espera, neste triste marco, é na verdade uma intensificação dos confrontos, com as forças russas aumentando a frequência dos bombardeios e os ucranianos em condições de responder com mais violência, graças aos equipamentos militares que estão sendo enviados por potências ocidentais nesta nova fase do conflito.

Em outra frente, os aliados da Ucrânia, liderados pelos EUA, devem anunciar nova rodada de sanções econômicas, mas com foco mais estratégico após as primeiras sanções terem aparentado quase inócuas ao governo de Putin, que se mostrou preparado para enfrentá-las.

Perspectivas de paz

Apesar dos prejuízos que a guerra impõe aos combatentes diretos e ao resto do mundo, com consequências negativas para o mercado energético e de commodities, é difícil encontrar quem esteja otimista acerca de uma resolução do conflito em um horizonte próximo.

Diretora para a Europa da empresa global de análise Control Risks, a inglesa Anna Walker disse, em entrevista ao Metrópoles, ser “provável que o conflito se estenda ao longo de 2023 e possivelmente além”, pois “ambos os lados continuam comprometidos em alcançar seus objetivos por meios militares”.

E, como tal, “um acordo negociado é altamente improvável” no corrente ano.

Para ela, a resolução do conflito exigirá o envolvimento de uma série de atores externos, além da própria Ucrânia e da Rússia.

“É provável que os aliados da Ucrânia, incluindo a União Europeia, os Estados Unidos e os países da Otan, desempenhem um papel fundamental nisso, enquanto também é provável que haja um papel para países como China e Índia, que continuam a se envolver economicamente com a Rússia.”

A analista afirma que o prosseguimento do embate é negativo para o mundo, de modo geral, mas que há atores que perdem menos e podem não se esforçar tanto para cumprir um papel resolutivo.

“Países como a China e a Índia têm conseguido garantir um abastecimento de energia mais barato, por exemplo, após a implementação do limite de preço do petróleo e derivados russo, bem como maiores volumes de energia da Rússia, após a imposição de sanções pelos Estados Unidos e pela União Europeia.”

Guerra longa, mas restrita geograficamente

Ainda de acordo com Anna Walker, apesar de não haver resolução no horizonte para o conflito entre Rússia e Ucrânia, é muito improvável que a guerra se espalhe para os países vizinhos. Ou mesmo se transforme em um conflito armado direto entre a Rússia e a Otan.

“No entanto, a guerra continuará a impulsionar a fragmentação de longo prazo da economia global”, afirma a diretora. Ela avalia, porém, que os países afetados consigam mitigar os danos econômicos.

Cientista político do Núcleo de Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Leonardo Paz Neves complementa que a continuidade do conflito no Leste Europeu também resultará em aceleração da transição energética, a partir de reorganização da cadeia produtiva de energia e competição para assumir o posto da Rússia como principal fornecedor de combustível.

“Em razão das guerras e das sanções impostas, o ocidente passou a fazer o máximo possível para diminuir a dependência de combustíveis a partir de petróleo e gás russo. Então, imagina-se que até o fim de 2025, a Rússia não será mais um ator relevante de matriz energética na UE, o que abre o mercado internacional para outros países”, explica.

Na visão de Neves, esse reposicionamento no mercado energético a longo prazo será um dos principais efeitos das sanções econômicas impostas pelo ocidente à economia do Kremlin.

“Elas vão criar um impacto negativo na economia e, apesar de não ter ocorrido ainda, por serem medidas a longo prazo, acredito que a economia russa pode sofrer durante uma boa década em função dessa guerra, pelo menos”, projeta o especialista.

Recrudescimento das sanções

A perspectiva com um ano da guerra é o recrudescimento desse pacote de sanções robusto, já considerado sem precedentes, nos próximos dias. A principal motivação para isso é que os russos encontraram formas de contornar as restrições em vigor, a partir de relações com países aliados.

O presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou novas sanções durante visita a Kiev, na última segunda-feira (20/2). A Subsecretária de Estado para Assuntos Políticos dos EUA, Victoria Nuland, detalhou à imprensa que essa medidas serão focadas em conter as manobras russas.

“Essas sanções se aprofundarão e se ampliarão em certas categorias em que atuamos antes, principalmente ao limitar o fluxo de tecnologia para a indústria de defesa russa, como equipamentos de alta tecnologia”, explicou a subsecretária.

Victoria Nuland frisou que “serão estipuladas várias metas ligadas à evasão das sanções, porque estamos vendo os russos ficarem bastante espertos”.

O fornecimento de tecnologia, por exemplo, é movimentado nos países em desenvolvimento. A exportação de gás natural e petróleo passou a ser intermediada por outras nações. As transações financeiras internacionais, por sua vez, são mediadas por bancos chineses.

Os dados oficiais da Rússia ainda não mostram impacto significativo na economia oriundos diretamente das sanções. No entanto, o forte aumento nos gastos militares do país, combinado com queda de quase 50% nas receitas de exportação de petróleo e gás, está levando a um crescimento do déficit orçamentário – aumento de 14 vezes ano a ano em janeiro de 2023, por exemplo.

É provável que essas tendências persistam em 2023, principalmente porque os gastos com defesa e segurança devem representar pelo menos um terço da despesa total do orçamento.

Risco de “naturalização” do conflito

Depois de 12 meses de ações coordenadas, bombardeios de estruturas e mortes na guerra, especialistas ouvidos pelo Metrópoles sustentam que ainda é uma grande incógnita se, diante do prolongamento do confronto e do aumento do fluxo migratório, existe a possibilidade de uma espécie de “normalização” do confronto.

As particularidades ucranianas, em razão da localização geográfica no continente europeu, tornam o embate diferente de outros territórios em guerra há anos, como é o caso do Iêmen, que vive a maior tragédia humanitária do mundo, e da Síria e do Paquistão, por exemplo.

“Existe o risco, sim, de uma normalização da guerra, em função do tempo. Contudo, isso ainda é uma incógnita. A diferença é que o conflito é no ‘quintal de casa’ da Europa, então dificilmente você teria, da noite para o dia, um processo de dessensibilização”, avalia o professor de relações internacionais Roberto Uebel, da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).

“Mas dependendo da continuidade da guerra, da manutenção do conflito, da não saída russa do território ucraniano, pode ser que, sim, isso acabe entrando nesse processo de normalização da tragédia no Leste Europeu”, pondera o docente.

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