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Com Trump, “G-Zero” se firma e aumenta perigo de deterioração política e econômica para o Brasil em 2025, aponta Eurasia

Esqueça o G-7 e o G-20. Com Donald Trump na Casa Branca, o planeta entra de vez em 2025 sob a regência do G-Zero, em cenário geopolítico imprevisível e perigoso, como não se via desde os anos 1930, no Entre-Guerras, ou no capítulo mais tenso da Guerra Fria, durante a Crise dos Mísseis, na primeira metade dos anos 1960. O neologismo, criado há uma década, saiu das cacholas de Ian Bremmer e Cliff Kupchan, respectivamente presidente e principal analista do Eurasia Group, uma das principais consultorias de risco político do planeta. E se traduz na ausência de uma nação ou grupo de países garantidor do equilíbrio mundial, por desejo ou incapacidade. O tradicional relatório sobre os principais riscos do ano foi divulgado nesta segunda-feira, poucas horas antes do antecessor de Joe Biden ser diplomado em Washington como novo presidente dos Estados Unidos, em cerimônia tranquila, comandada pela vice-presidente Kamala Harris, por ele derrotada nas eleições de novembro, marcada pelo contraste com a invasão do Capitólio por hordas trumpistas há quatro anos.

O republicano, que em duas semanas retorna à Casa Branca, é, como não poderia deixar de ser, o protagonista este ano da bola de cristal consultada por analistas de política externa e líderes do mercado. Embora não apareça diretamente na lista das 10 maiores possíveis dores de cabeça globais em 2025, o Brasil recebeu um adendo específico do Eurasia, centrado no horizonte especialmente desfavorável para as economias de mercados emergentes em 2025, ao mesmo tempo em que o país enfrenta pressões no universo financeiro por conta das preocupações com as contas fiscais. A realidade mais fragmentada, no entanto, também pode trazer ganhos relativos para Brasília em curto prazo.

– Não é acaso a União Europeia avançar na aprovação do acordo com o Mercosul após a Guerra [ainda em curso] na Ucrânia. O raciocínio é o mesmo para a China com o Brasil em um contexto de relação deteriorada de Pequim com Washington. Mas todos perderão mais com as condições financeiras mais apertadas e o crescimento global menor que veremos em 2025 —afirma ao GLOBO o diretor do Eurasia para as Américas, Christopher Garman.

Os 10 maiores riscos para 2025, de acordo com o relatório, são, pela ordem: a confirmação do G-Zero, Trump de volta à Casa Branca, relações mais conflituosas entre Washington e Pequim, a Trumponomics, a Rússia fora da ordem mundial (com a perspectiva de trégua, mas não fim da guerra com a Ucrânia), o Irã na corda-bamba (com risco de lenta e gradual implosão), o empobrecimento do planeta, a IA sem regulamentação (preocupante especialmente em seu uso pela indústria armamentista), o aumento de endereços mundo afora sem governabilidade e o impasse do México em sua relação com os EUA.

Unilateralismo

O relatório destaca ainda que os EUA, de longe o país mais poderoso do planeta, se orientarão a partir do próximo dia 20 de forma unilateral no tabuleiro global, interessados em negociações pontuais. Farão oposição ainda maior do que no primeiro governo Trump às organizações multilaterais que tanto defenderam desde o fim da Segunda Guerra, entre elas a ONU e a Otan, para apreensão dos aliados europeus. Ao mesmo tempo, a China se debaterá com problemas econômicos internos e os demais países ricos ou em desenvolvimento “passarão o ano em posição de defesa, tentando evitar que o dedo de Trump não os mire”, diz Ian Bremmer, que segue:

—Não há liderança interessada ou capaz de promover uma ordem global, e este é o perigo central de 2025. Donald Trump não é o risco, mas o sintoma principal que vem do mundo do G-Zero, alimentado pelo anti-globalismo, pelos céticos dos valores globais.

A expectativa do Eurasia para a segunda temporada de Trump na Casa Branca inclui “o expurgo de servidores civis e sua substituição por trumpistas leais, particularmente no Departamento de Justiça e no FBI”, “a erosão dos mecanismos de controle independente do Executivo” e o “enfraquecimento do Estado de Direito” que “deixarão os EUA dependentes das decisões de um homem poderoso, em substituição a princípios legais estabelecidos e imparciais”. Para os analistas, no entanto, “a democracia, em si, não estará ameaçada”. “Os EUA não são a Hungria, mas a indiferença de Trump, e em alguns casos sua hostilidade aos valores americanos estabelecerá novos e perigosos precedentes de ‘vandalismo político’ para futuros presidentes, de ambos os partidos”.

Se, internamente, Trump se fia no controle republicano do Senado e da Câmara, além da maioria conservadora na Suprema Corte, no palco diplomático um trunfo do presidente eleito dos EUA, especialmente neste início de mandato, será, frisa Bremmer, sua imprevisibilidade:

— É difícil prever seus passos, e isso o fortalece como negociador. Por outro lado, aumenta a volatilidade do tabuleiro geopolítico global, como se vê com [<italic>o bilionário e parte do gabinete do novo governo</italic>] Elon Musk interferindo na relação do presidente eleito com líderes europeus e com o sistema político sendo capturado por personagens com interesses especiais em clara ascensão oligárquica. Isso pode gerar mais violência contra CEOs nos EUA.

Tarifas e riscos globais

A expectativa da imposição de tarifas de até 60% em produtos chineses nos EUA terá, prevê o relatório, resposta dura de Pequim — “apesar da real fraqueza econômica interna, a China responderá de forma mais contundente para provar tanto a Trump quanto aos chineses que eles podem e irão reagir”.

—No primeiro mês, Trump deve anunciar o aumento das tarifas e endurecerá a concessão de vistos para cidadãos ligados ao Partido Comunista Chinês e a estudantes, o que será um problemão para Pequim. Por outro lado, não acreditamos que Taiwan será um foco de crise este ano — afirma Cliff Kupchan.

Para quem duvidava do protecionismo reforçado da segunda encarnação da Trumponomics, Bremmer, por sua vez, recomenda checar a negativa veemente em suas redes sociais do presidente eleito a reportagem do Washington Post desta segunda que tratava de possível exagero nas expectativas sobre as medidas econômicas do novo presidente:

– Eles usarão as tarifas de modo extenso. Assim como 1 milhão de imigrantes sem documentação devida devem ser deportados por Washington em 2025. Isso diminuirá o consumo, complicará o cálculo fiscal e aumentará o custo do trabalho e a inflação. Também veremos novamente, como em seu primeiro mandato, menos regulamentação e impostos para o setor produtivo e os mais ricos, só que em momento macroeconômico muito mais complexo do que 2017. O impacto global da Trumponomics será muito maior desta vez.

Para o Brasil, com inflação mais alta e dólar mais forte nos EUA, o risco é o de “os problemas econômicos se aprofundarem”, com maior depreciação do Real, em cenário de redução do preço de commodities. “Uma crise econômica generalizada é improvável. O crescimento não deve entrar em colapso em 2025, e o Banco Central seguirá independente, cumprindo seu mandato de buscar a meta de inflação. Mas um cenário global mais negativo aumentará as preocupações do Palácio do Planalto em relação às chances de reeleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva em 2026. Aumentariam as chances de um candidato de oposição favorável ao mercado vencer em 2026, mas o sentimento antissistema também seria inflamado, abrindo-se as portas para um resultado inesperado”.

— Embora possa se beneficiar de uma guerra comercial entre EUA e China, o Brasil deve ficar atento à abordagem de Trump para se preparar para eventuais perturbações, e o Itamaraty já se movimenta nesse sentido, embora ainda não há canais claros de comunicação com o novo gabinete americano — diz Christopher German— Como exerce a presença rotativa dos BRICS este ano, qualquer movimento que Brasília fizer e for interpretado como desafio à dominância do dólar ou apoio à China pode provocar retaliação de Washington. Também podem causar atritos declarações de Trump sobre uma eventual condenação e prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que afetem os negócios de Elon Musk.

Pistas Falsas

O relatório também indica “pistas falsas” para 2025. Entre elas, duas têm implicação para o Brasil, ambas relacionadas ao acordo Mercosul-Comunidade Europeia. Uma joga por terra a ideia de que a Europa Ocidental não é capaz de avançar projetos econômicos estratégicos por divisões internas. A outra mostra que, apesar da “recessão geopolítica” do G-Zero, e ainda que a passos mais lentos, a globalização persiste: “A incerteza em relação ao futuro do Acordo EUA-México-Canadá podem deslocar investimentos de longo prazo para o Brasil—especialmente de multinacionais que buscam economias de escala para atender melhor o mercado consumidor da América Latina. A estabilidade institucional do Brasil e as reformas em andamento posicionam o país como uma alternativa atraente diante das incertezas que surgem no México. No entanto, o maior obstáculo para essa oportunidade vem de juros reais mais altos e deterioração política antes das eleições de 2026”.

O Globo 

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