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Italiano que lutou na Justiça para adotar bebê com síndrome de Down inspira filme

Em 2018, Trapanese foi o primeiro solteiro no país a obter autorização para adotar uma criança recém-nascida. Alba nasceu com síndrome de Down e foi abandonada no hospital logo após o parto. Seu nome foi escolhido por uma enfermeira do berçário.
Trapanese foi, então, convocado pelo Tribunal de Menores de Nápoles para assumir a guarda temporária de Alba, uma forma de tirar a bebê do hospital e deixá-la em uma casa até que uma família se dispusesse a adotá-la.

Por ser solteiro, Trapanese não poderia ser considerado uma opção para a guarda definitiva. A lei italiana, de 1983, estabelece que somente casados por ao menos três anos podem entrar na fila para adoção. Com isso, ficam excluídos solteiras, solteiros e casais do mesmo sexo, já que eles não têm direito a casamento igualitário, somente a união civil –que, no país, exclui o direito de adoção.

“Esta lei não espelha mais aquilo que é a sociedade e quem pode ser uma família para uma criança”, diz Trapanese à reportagem. “Não se trata só de uma lei para adoção pelos casais homossexuais, mas de uma possibilidade de família para os solteiros.”

Alba foi rejeitada por 30 casais heterossexuais que estavam na lista para adotar um bebê. A mesma lei de 1983 prevê que, em caso de deficiência, a criança pode ser adotada por um não casado -e foi esse o entendimento que uma juíza teve, o que fez do tribunal napolitano uma vanguarda no tema.

Cinco anos depois do desfecho, a história de pai e filha virou o filme de ficção “Nata per Te” (nascida para você), que estreia nos cinemas italianos na próxima quinta (5). O roteiro é baseado no livro homônimo lançado em 2018.

Na adaptação para o cinema, é possível acompanhar, além da insistência judicial travada por Trapanese e sua advogada, o trabalho do italiano com pessoas com deficiência, algo que teve início quando ele ainda era adolescente e fazia voluntariado.

Em 2006, ele criou a ONG A Ruota Libera (em italiano, a roda livre, que significa algo como “sem limites”), que mantém comunidades para adultos com deficiência, promovendo a autonomia e a integração deles -alguns dos membros delas aparecem no filme. Além de presidente da entidade, Trapanese ainda também assessor de políticas sociais da prefeitura de Nápoles.

É devido ao seu conhecimento do que é conviver com pessoas com deficiência que Trapanese busca entender os comportamentos da mulher que deixou Alba no hospital e dos casais que a rejeitaram. Para ele, é uma reação esperada diante de uma cultura e de um Estado que abandonam essas pessoas.
“Eu tinha plena consciência do que significa a síndrome de Down e sei que não é fácil nem simples. Mas estava preparado; outros genitores talvez não estejam”, afirma. “Alba é uma menina feliz, serena e amada, mas existem problemas.”

Ela frequenta a escola infantil em Nápoles, além de aulas de música e sessões de fonoaudiologia. Trapanese cita momentos difíceis antes de Alba começar a andar, aos três anos, e hoje, em que tem dificuldade de se expressar verbalmente. “São ansiedades de qualquer genitor. Não tanto por ela mesma, mas pela sociedade, que não está pronta para esperá-la e entendê-la.”
Trapanese identifica a necessidade de um melhor entendimento sobre o assunto. “A deficiência é colocada inteira num mesmo pote, mas, na verdade, é um mundo muito diverso. Existe uma grande diferença entre uma criança com Down, outra com autismo ou ainda outra que sofreu um acidente e precisa de cadeira de rodas.”

O napolitano critica as atuações do Ministério para as Deficiências e do Ministério para a Família, Natalidade e Igualdade –mas ressalta que as falhas não são somente do governo da ultradireitista Giorgia Meloni, e sim vêm de gestões anteriores.

Quando se trata da titular da Família, Eugenia Roccella, do mesmo partido de Meloni, a reprovação é mais contundente. “Ela erra completamente ao dar valor exclusivamente para quem tem uma família tradicional. É fora da realidade.”

Trapanese conta que, desde o início de seu encontro com Alba, nunca quis ser associado à ideia de que é um herói que trava uma batalha, ou que a filha virasse bandeira da comunidade LGBTQIA+. Depois, vieram a presença nas redes sociais e o lançamento de livros e filmes em que ele, voluntariamente, narra a própria história.

“Quis eu mesmo contar o porquê de querer me tornar pai e a felicidade de ter uma filha deficiente”, diz. “Não me defino como ativista, mas como uma pessoa que quer informar sobre uma perspectiva diferente da vida.”

Notícias ao Minuto 

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