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Acordo UE-Mercosul: apesar de reabertura de negociações, chance de aprovação segue favorável

Depois de a União Europeia apresentar uma série de demandas adicionais – sobretudo ambientais – para iniciar o processo de ratificação do acordo comercial com o Mercosul, o Brasil sinaliza que também vai querer incluir contrapartidas. A reabertura das negociações, no entanto, não significa necessariamente que o tratado não será ratificado este ano, como esperam o governo brasileiro e vários países europeus, liderados pela Alemanha.


Em audiência ao Senado no dia 11 de maio, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira (esq.), disse que “a UE apresentou um documento adicional extremamente duro e difícil” sobre o acordo comercial entre o bloco e o Mercosul.
Geraldo Magela /Agência Senado – Geraldo Magela

As negociações do acordo se arrastaram por 20 anos até serem concluídas em 2019, mas o texto ainda precisa ser ratificado pelos 27 países que compõem a União Europeia e os quatro integrantes do Mercosul. Desde então, os resultados catastróficos do governo de Jair Bolsonaro na área ambiental serviram de justificativa para os europeus paralisarem o processo.

No fim de abril, apesar do clima político mais favorável no Mercosul, com a saída de Bolsonaro, a UE apresentou “um documento adicional” considerado “extremamente duro e difícil” pelo ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira. O texto “cria uma série de barreiras e possibilidades inclusive de retaliação, de sanções, com base em uma legislação ambiental europeia extremamente rígida e complexa de verificação”, segundo relatou Vieira, em audiência ao Senado na semana passada.

Novas diretrizes para o comércio

Christophe Ventura, especialista em América Latina do Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris, avalia que as novas exigências refletem o aumento das obrigações socioambientais dentro do bloco, com adoção de novas normas como o Pacto Verde europeu, além do aumento da pressão dos consumidores europeus por produtos com menor impacto no planeta.

“É uma lógica global que visa que a União Europeia redefina os termos da sua relação comercial com o conjunto dos seus parceiros internacionais. Isso ocorre no momento em que estamos na finalização do acordo com os países sul-americanos, mas essa reflexão é mais ampla”, explica. “A União Europeia quer que todos os seus parceiros comerciais respondam às mesmas exigências que ela impõe aos seus próprios integrantes.”

Ventura reconhece que a imposição de maior qualidade ambiental dos produtos importados – com avaliação de rastreabilidade e dos impactos – soa como mais uma manifestação do protecionismo da agricultura europeia. O setor jamais concordou com a assinatura do acordo, já que a principal pauta das exportações do Mercosul seria agrícola.

Em contrapartida, os países do Mercosul têm agora a oportunidade de exigir que o pacto preveja transferência de tecnologia para que eles possam responder a essas exigências. “Essa é uma demanda antiga do Mercosul e o momento é favorável para os países sul-americanos colocarem também esse ponto sobre a mesa e lembrar aos europeus que tudo isso é um conjunto: os europeus não podem simplesmente exigir o que querem sem viabilizar os meios para os sul-americanos poderem melhorar a qualidade dos seus produtos”, complementa.

Outra meta de Brasília seria tentar limitar o acesso dos europeus às compras governamentais nos países do Mercosul, que movimentam a atividade industrial local.

‘Janela de oportunidade’

A expectativa de Brasília é acelerar a negociação na próxima cúpula União Europeia-Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe), prevista para julho em Bruxelas, e fechar o acordo ainda no segundo semestre deste ano –se possível antes de novembro, quando a Argentina vai às urnas para eleições presidenciais.

Do lado europeu, a França, ao lado de Holanda e Áustria, lidera o chamado bloco agrícola dentro da União Europeia que mais resiste à ratificação do acordo. “A representação política francesa atual, com o presidente Macron, é favorável em termos de janela de oportunidade, mas a França continua sendo a França. Entretanto, a França não é a Europa toda e temos uma fratura com a Alemanha”, ressalta o economista Carlos Winograd, professor associado da Paris School of Economics (PSE). “Junto com Espanha, Itália, Portugal e alguns países do centro e leste da Europa que seguem a linha alemã, além da Finlândia e da Suécia, a Alemanha forma um bloco que continua a ser favorável à negociação. Os negociadores têm que ver que quando surgem oportunidades, elas não se mantêm eternamente”, observa.

Winograd lembra que a guerra na Ucrânia levou à reorganização das fontes de fornecimento de alimentos e energia para a Europa. Neste contexto, apesar de os europeus elevarem as exigências ambientais, eles sabem que a aproximação com o Mercosul é estratégica para o próprio abastecimento, e inclusive para a transição ecológica. A Argentina tem uma das maiores reservas mundiais de lítio, necessário para a produção de baterias elétricas.

“Entre a Argentina, a Bolívia e o Chile, tem uma reserva dominante e estratégica do lítio em nível mundial. Além disso, a Argentina tem um golfo de gás na Patagônia, ainda não explorado. Se a Argentina se estabilizasse e se organizasse, teria uma capacidade de exportação de gás natural liquefeito gigantesca”, afirma o economista, especialista em comércio internacional. “Poderia ser uma fonte potencial de diversificação estratégica para a Europa.”

Lúcia Müzell, da RFI

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