Economia

Um ano após início da guerra, incertezas sobre exportações de cereais da Ucrânia desestabilizam mercados


Trigo é estocado após colheita na região de Odessa, na Ucrânia, em 23 de junho de 2022.
© Igor Tkachenko/REUTERS

A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de cereais, principalmente trigo e milho, e a guerra teve repercussões diretas em sua produção e nos preços destas commodities. Além disso, o conflito reorganizou as rotas de exportação e as regiões de destino dos cereais, com maior concentração na Europa, em detrimento da África. Um ano depois do começo do conflito, as incertezas em torno da produção e exportações ucranianas de cereais continuam a desestabilizar os mercados.

O conflito atinge principalmente o leste da Ucrânia, o que deve ter um impacto na capacidade do país de manter suas lavouras. “No estado atual, não temos muita certeza sobre nenhuma previsão. Mas estimamos uma perda em torno de 30% das áreas de plantio, tanto do milho quanto do trigo”, explica Olia Tayeb Cherif diretora de pesquisa na Fundação pela Agricultura e a Ruralidade no Mundo (FARM). “Isso pode ser pelo conflito, mas também por questões estratégicas próprias aos agricultores em função dos preços internos ou do custo de energia”, pondera.

Algumas reduções de áreas de plantio são reflexos dos efeitos colaterais da guerra. “Temos perdas de superfícies semeadas devido ao aumento dos custos de energia. Por exemplo, o milho em grãos, uma vez colhido, deve ser secado para recuperar os grãos”, explica.”Esta secagem deve ser feita em infraestruturas próprias. Devido à alta do preço do gás nos últimos meses, não é mais rentável para os produtores secar o milho.”

Além do cultivo dos cereais, outra grande dificuldade enfrentada pelo país é a exportação dos grãos. No momento da declaração da invasão da Ucrânia pela Rússia, os portos do mar Negro, principal ponto de partida das commodities ucranianas, foram instantaneamente bloqueados.

“Neste momento, foi necessário reorganizar os fluxos e enfrentar importantes questões logísticas”, explica a pesquisadora. “Primeiro, a União Europeia tentou se organizar para escoar os cereais por vias alternativas como o trem, as estradas e, eventualmente, vias fluviais”, diz.

“Na segunda etapa, montamos esse famoso corredor do Mar Negro para tentar fazer os barcos passarem. Em todo o caso, o desafio para a Ucrânia era reconquistar mercados em destinos mais distantes na Ásia, África e Oriente Médio”, salienta.

Redistribuição das exportações ucranianas

A medida funcionou. Atualmente, estima-se que 10 milhões de toneladas de milho e seis milhões de toneladas de trigo passaram pelo corredor entre 1º de agosto de 2022 e 31 de janeiro de 2023.

No entanto, houve uma redistribuição de destinos, em relação ao que existia antes da guerra. Globalmente, as exportações ucranianas foram redirecionadas para a União Europeia e a Turquia, em detrimento da África, um dos principais destinos das exportações ucranianas antes do conflito.

“O milho é um cereal que tem como destino principalmente a alimentação animal e é amplamente exportado para o leste asiático. Recentemente, a China apareceu como um grande importador de milho”, contextualiza Tayeb Cherif.

“Quanto ao trigo, nas três últimas campanhas que antecederam o conflito russo-ucraniano, tivemos exportações 40% destinadas ao norte da África, África Subsaariana, Oriente Médio e Turquia. E agora, vemos que em 2022, no início do ano agrícola do trigo, metade dos cereais foi exportada para a União Europeia, que era um destino minoritário antes da guerra, e depois para a Turquia, cerca de 20%”, explica.

Sobre mudanças nas exportações russas, a pesquisadora alega que é difícil saber, já que as cifras das alfândegas da Rússia não estão disponíveis desde o início de 2022. Mas como a situação se acalmou após a subida em flecha que seguiu a invasão da Ucrânia, “podemos supor, através dos mercados, que a Rússia continuou em seu patamar normal”, analisa.

Crise de cereais começou antes do conflito

Tayeb Sherif frisa que antes mesmo de surgir o problema da disponibilidade dos alimentos, a questão das dificuldades de acesso devido aos preços já existia.

“Não podemos esquecer que toda essa crise que estamos tentando descrever começou com a pandemia do Covid-19. Na África subsaariana, isso levou a uma desestabilização das fontes de renda de muitas famílias, principalmente as mais modestas, e a um aumento das desigualdades ligadas a essas questões alimentares“, sublinha. “O acesso aos fertilizantes também está ligado ao preço. Os custos dos fertilizantes dispararam paralelamente ao preço das commodities agrícolas nos mercados mundiais desde o final de 2020″, completa.

“Com o aumento sem precedentes, especialmente no final de 2021, dos preços dos fertilizantes, muitos países ficaram temporariamente sem abastecimento. E, portanto, essa inacessibilidade de fertilizantes, primeiro devido ao preço, depois devido à quantidade, também pode ter gerado incertezas sobre a produção agrícola local”, explica.

Estoques

Outra problemática, é a questão dos estoques ucranianos que não foram escoados. Pelas estimativas de janeiro do USDIA, órgão americano que monitora esse assunto, a Ucrânia teria, tanto para o milho quanto para o trigo, estoques significativos de cinco milhões de toneladas, devido ao atraso na exportação desses volumes.

Segundo a pesquisadora, este atraso não deve ser prolongado. “A questão de renovar ou não o corredor do Mar Negro em um mês, em 19 de março, será decisiva”, afirma. “Porque se olharmos os números, entre os meses de agosto e outubro conseguimos escoar cerca de quatro milhões de toneladas de trigo. Enquanto por via terrestre, este valor é de aproximadamente dois milhões de toneladas. Assim, temos maiores capacidades para sair por mar”, completa.

A renovação do corredor é uma nova incerteza que pesa sobre as exportações. “Vimos que os preços mundiais dos cereais reagiram fortemente às questões de renovação ou não do corredor. E, portanto, provavelmente no momento da renovação, uma forte tensão reaparecerá. Em todo caso, o que é óbvio é que a Rússia tem uma força de ataque enorme quando se trata de abastecimento de alimentos, principalmente cereais”, diz Olia Tayeb Cherif.

A Rússia é outro gigante quando o assunto é exportação, principalmente de trigo. Justamente neste ano, segundo as últimas estimativas, o país deve ter uma safra recorde e deve acumular grandes estoques. “Esses dois elementos serão estratégicos. E acho que a Rússia está bem ciente disso e tentará trazê-los para as negociações”, analisa a diretora de pesquisa na Fundação pela Agricultura e a Ruralidade no Mundo (FARM).

Noticiário Francês

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