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Aquela música ‘brega’ que todo mundo canta é de quem? Série nostálgica resgata sucessos de Sullivan e Massadas

Compositores que criaram os maiores hits da década de 80 são destaque de produção que promove uma viagem por trilhas sonoras inesquecíveis e que foram detonadas pela crítica

Imaginem vocês se, lá na década de 80, Gal Costa tivesse dado ouvidos aos críticos e abandonado a ideia de gravar “Um dia de domingo’’, canção eternizada no cenário musical brasileiro numa dobradinha dela com Tim Maia! A pressão foi ferrenha. Como uma artista daquele quilate se deixava seduzir pelos compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas, que até então tinham estourado com “Me dê motivo’’, na voz do próprio Tim, e “Whisky a go go’’, com Roupa Nova? Sensibilíssima Gal! Além da voz única, seu feeling para o que era bom, dando de ombros aos preconceituosos, talvez tenha sido um dos ingredientes importantes para que ela construísse uma trajetória inesquecível na MPB. Os bastidores dessa gravação e as histórias por trás de tantos outros hits que dominaram programas de TV, novelas e FMs por todo o Brasil nos anos 80 estão na envolvente série documental “Sullivan & Massadas: retratos e canções”, dirigida por André Barcinski e disponibilizada recentemente no Globoplay em cinco episódios.

Despretensiosamente, comecei a assistir à produção num fim de noite, ciente de que eu seria tomada por uma nostalgia óbvia de quem viveu a infância naquela época, já que a dupla é criadora de vários sucessos infantis de Xuxa e do grupo Trem da Alegria, como “Lua de cristal’’, “É de chocolate’’ e “Uni-duni-tê’’. Essa viagem saudosa acontece mesmo, e há depoimentos da Rainha dos Baixinhos, de Juninho Bill… Mas para espectadores de qualquer geração interessados na produção cultural de um país tão plural como o Brasil, o doc é um programaço. Contextualiza o fenômeno que foram esses caras naquele momento político em que vivíamos, mostrando como vários fatores foram importantes para alcançarem o estrelato. Eram tempos de redemocratização. Eles mesmos frisam que, diferentemente da década anterior, com letras mais políticas, as pessoas queriam músicas felizes ou desejavam cantar o amor. E, quando o assunto era falar do coração, eles sabiam tratar das dores e delícias como poucos. Querem provas? Na lista dos dois há “Amor perfeito’’, gravada por Roberto Carlos (e conhecida pelos mais jovens na versão do Babado Novo, de Claudia Leitte); “Estranha loucura’’, de Alcione; e “Deslizes’’, na voz de Fagner.

Salta aos olhos — e aos ouvidos — como eram reconhecidos pelo povo, mas detonados por boa parte da crítica. Foram chamados de bregas, tiveram a qualidade de seu trabalho questionada em matérias de jornais. O que parece absurdo, mas não é surpreendente, já que tudo o que é qualificado como popular atrai alguma dose de desconfiança, de ressalvas. Daí a importância de um profissional sempre estar muito ciente de suas capacidades, de suas potencialidades, dos valores dos quais não abre mão. E isso vale para qualquer área profissional, para qualquer campo de atuação.

Sullivan e Massadas não eram dois aventureiros que se juntaram do nada e se trancaram num estúdio arrancando letras e melodias de dentro de si a fórceps. Eles tinham a vivência dos bailes, que formam tantos músicos versáteis e talentosos neste vasto país, já que são eventos onde se toca de tudo, dirigidos a todo tipo de plateia. Eles carregaram suas origens consigo, um pernambucano e um do subúrbio do Rio, e, com suas histórias de vida tão diferentes entre si, consolidaram uma dupla que encontrou o tom perfeito, afinadíssima.

Me parece inacreditável que Gal e Tim tenham gravado “Um dia de domingo’’ separadamente, vocês sabiam dessa? Um dueto tão marcante, um encontro no palco do “Chacrinha’’ em que pareciam íntimos, best friends. Não eram! Apesar de chocada com essa informação, isso me confirma o poder arrebatador que a música tem.

Sullivan e Massadas criaram memória, deixaram falar a voz do coração. “Entramos na alma das pessoas”, resume um deles. “É o tempo que diz o que é cultura, o que fica’’, diz o outro. Numa era de sucessos que me soam bem mais superficiais, fabricados para se encaixarem em modismos com durabilidade de meses, o que vai ficar de tudo isso que se produz hoje?

O doc é imperdível.

Gabriela Germano é editora-assistente e atua na área de cultura e entretenimento desde 2002. É pós-graduada em Jornalismo Cultural pela Uerj e graduada pela Unesp. Sugestões de temas e opiniões são bem-vindas. Instagram: @gabigermano E-mail: gabriela.germano@extra.inf.br

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