Toda a performance de “Fissurar”, nome da apresentação, foi disponibilizada em vídeo, e Geovan criou a coreografia, dançou e editou a música. Na dança, que é forte e até perturbadora para quem assiste, o bailarino fala de uma infância marcada pela violência. Em relação ao nome da apresentação, ele conta que pensou em algo que fizesse o sentido de abrir brechas, fendas, rachaduras, em relação à adversidade.
“São cenas que a gente não esquece. Essa ferida para mim não sara. Então eu quis trazer toda essa parte sentimental para dentro da minha coreografia, o que não foi fácil, porque retratava muita violência. Foi muito doloroso, tanto fisicamente, porque tive que fazer movimentos bem pesados, complexos, com muita batida, muita pancada, mas também mentalmente por ter que relembrar tudo que me aconteceu. Por muitas vezes chorei montando a música, até que ela fosse ideal. Eu pensava que tinha que ser uma música visceral que mostrasse bem a realidade. Graças a Deus, eu consegui dentro do Festival repassar isso para os jurados e para o público”, pontua.
Toda essa história de violência caminhou para o sucesso só depois de algumas viradas na vida. Aos sete anos, Geovan teve a primeira virada, quando a avó dele o tirou de casa e o colocou em um abrigo, em Bayeux, região metropolitana de João Pessoa: o abrigo Morada do Betinho. Lá, começou uma brecha para uma nova realidade.
Experiência no Bolshoi – Aos 11 anos, surgiu um chamado: a seleção para o Bolshoi. Mais de 64 mil crianças ficaram interessadas, mas Geovan acabou selecionado entre os 20 melhores e passou por mais uma seletiva em Joinville, Santa Catarina, quando ficou entre os 10 que de fato ganhariam a bolsa. Passou oito anos em estudo e lá conheceu diversos profissionais, entre eles nomes renomados do Balé Bolshoi como Vladimir Vasiliev e Ekaterina Maximova. Teve aulas de flauta, piano, coral, danças populares, danças clássicas, contemporânea, dueto, repertório e muitos outros cursos. Geovan entende que teve formação cultural, mas também ética e moral.
Ao final do processo, em 2011, retornou para João Pessoa, pois sentia que precisava ajudar a mãe. Construiu uma casa para ela e hoje mora próximo, mas sem perder os sonhos. Em 2012, começou a trabalhar no Cearte. A diretora do Cearte, Laura Moreno, se mostrou exultante com a conquista de Geovan, a quem fez questão de dar uma oportunidade no Centro quando voltou do Bolshoi. A partir daí, ele entrou no curso de Licenciatura em Dança na UFPB, em 2013. Laura ressalta como Geovan fez da arte um instrumento transformador e que agora conta a sua história.
Para Geovan, o que aconteceu com ele foi um milagre. “Entre uma em um milhão, uma pessoa consegue conquistar as coisas que eu estou conquistando na vida e ter uma mudança radical como eu tive”, acredita. E a notícia do Festival veio numa boa hora. Geovan explica que com a pandemia teve perdas financeiras. “Isso mexeu dentro da minha casa, tive crises psicológicas, de ansiedade. Mas eu ficava com o desejo de mudar, de não deixar minha vida regredir. E eu lutei com todas as minhas forças para que a minha vida desse certo. Mesmo diante da pandemia, surgiu a oportunidade desse festival e outras oportunidades e isso me ajudou a me reerguer”, relatou.
SecomPB