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Dia Mundial do refugiado: deslocados ambientais são esquecidos da governança migratória global

Somente em 2022, 108 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Os motivos podem ser perseguições, conflitos e diversas violações dos direitos humanos. Ainda que a migração esteja frequentemente ligada à agitação política, cada vez mais pessoas estão sendo deslocadas por causa dos impactos das mudanças climáticas. O assunto é debatido nesta terça-feira (20), data que marca o dia Mundial do Refugiado.


A seca na Somália vem causando deslocamentos populacionais.

Afinal, o que seria uma pessoa deslocada ambientalmente? Até o momento, essa noção não tem existência legal no direito internacional. Nenhum texto permite uma definição precisa e, enquanto não houver consenso sobre os termos, não haverá proteção específica para essas populações.

“Estamos falando de refugiados, deslocados, migrantes? Também temos debates que dizem respeito à causa do movimento: climática, ambiental ou ecológica”, sublinha a jurista Emnet Berhanu Gebre. “Nós temos diferentes categorias de termos que combinamos: refugiados climáticos, deslocados climáticos, migrantes climáticos, migrantes ecológicos… Tudo isso merece ser esclarecido, o que permitiria invocar direitos perante autoridades estatais ou judiciais”, completa.

A esta imprecisão jurídica, junta-se a ausência de um balanço global. Em 2022, quantas pessoas tiveram de deixar suas casas devido às mudanças climáticas? Impossível saber os números exatos, fora as estimativas feitas pela ONU de que são “100.000 vítimas por ano, ou até mais”.

A ONG Internal Displacement Monitoring Centre, filiada ao Norwegian Refugee Council, conta 200 mil deslocados por ano, mas os organismos internacionais parecem incapazes de quantificar este fenômeno que ainda não é objeto de reconhecimento oficial.

A professora Christel Cournil, que desde 2015 realiza pesquisas sobre justiça climática, lamenta a falta de visibilidade dos deslocados ambientais no cenário internacional. “As negociações climáticas estão focadas principalmente em objetivos de mitigação das mudanças climáticas e operacionalização do acordo de Paris”, explica. “Focamos muito em buscar, e isso era preciso, metas quantificadas de redução de gases de efeito estufa, como acontecia no protocolo de Kyoto, mas a questão da adaptação foi deixada de lado. As questões de mobilidade humana e migração devem ser integradas nos planos nacionais de adaptação às mudanças climáticas”, afirma.

Adaptação: esta é a palavra-chave

Para além do mecanismo de acolhimento dos deslocados ambientais, a prioridade imediata continua sendo o apoio aos países mais vulneráveis, para que possam lidar com os impactos das alterações climáticas.

Até hoje seus governos estão agindo praticamente sozinhos diante das migrações ambientais que, na maioria das vezes, são deslocamentos internos, sem cruzar fronteiras internacionais. Em casos de furacão, seca, incêndio, derretimento de gelo ou aumento do nível das águas, as populações afetadas se deslocam de uma cidade para outra ou de uma região para outra, dentro de seu próprio país.

“Estudos empíricos mostram que pessoas ameaçadas pelos impactos da mudança climática não aspiram obter o status de refugiado em países desenvolvidos”, acrescenta Emnet Berhanu Gebre. Alguns até acham que é humilhante, o termo refugiado tem uma conotação muito negativa. Essas pessoas reivindicam o direito de permanecer em seu território, próximo à natureza, com dignidade. Ou o direito de migrar, de ser realocado para poder trabalhar, sem se tornar um peso para as comunidades que os acolhem”, explica a especialista.

Um desafio para a COP28

Algumas vozes, como a do relator especial da ONU para os direitos humanos ligados às mudanças climáticas, o australiano Ian Fry, sugerem acrescentar um protocolo facultativo à Convenção de Genebra de 1951, que colocaria os deslocados ambientais no âmbito da condição de refugiado por lei.  

“É muito difícil se envolver nessa área. Os Estados sem dúvida serão hostis a ela”, adverte Christel Cournil, apontando que a Convenção de Genebra já é difícil de aplicar, principalmente na Europa. “Do ponto de vista jurídico, podemos criar a ferramenta, mas a comunidade internacional não está preparada”, completa.

Enquanto se aguarda soluções para o problema dos migrantes climáticos, é preciso pensar também no financiamento para tais medidas, uma vez que os orçamentos não acompanham as necessidades atuais.

O exemplo do Fundo de Adaptação às Mudanças Climáticas é gritante: esse órgão criado pelo Protocolo de Kyoto só conseguiu arrecadar U$ 1 bilhão desde a sua criação, em 2010, uma soma irrisória diante da imensidão das necessidades.

O declínio econômico, a falência dos setores agrícola ou turístico, a extinção de espécies, traumas morais e culturais, tudo isso pode ser avaliado quando se trata de compensações aos países atingidos pelas mudanças climáticas. Contudo, atualmente, o Ocidente, os países do Golfo e a China relutam em admitir pagar pela conta climática. Este é um dos grandes desafios da próxima COP28, agendada para acontecer em Dubai, e de todas as COPs seguintes.

(Com informações da RFI e AFP)  

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